Fonte: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/artigo.php?id=597
Desventuras do Portunhol
Luiz Martins da Silva
Brasileiros
são conhecidos por muitos cacoetes, um deles, o de serem turistas
barulhentos. Fácil saber onde estão, pelo vozerio; por uma certa
necessidade de externar satisfações. Mas há algo em que os brasileiros
também têm a pretensão de ser muito bons: línguas. Qualquer deles um
pouquinho viajado já se sente ungido pela glossologia: inspiração divina
pelo qual os evangelistas pregavam em outros falares.
Já
vi brasileiros em “virações” linguísticas as mais extraordinárias:
russo, japonês, árabe. Mas, nem sempre é presunção ou exibicionismo. Às
vezes, sobrevivência. Para repórteres, alguns vocábulos são salvadores,
exemplo, “sahafir”, jornalista, em árabe. Mas é na língua de Cervantes
em que os brasileiros mais se acreditam à vontade. Mas cometem heresias,
do tipo: “pasar la ropia”, em lugar de planchar. Chamar ventana de
“ranela”. E cabide não é “cabilde”, e sim, percha. Vaso pode ser copo,
mas não o vaso sanitário (el inodoro). Mas a melhor, contaram-me,
aconteceu com um fotógrafo que na ficha de hospedagem revelou ter o
apellido de “Baixinho”.
Outro bom folclore diz
respeito a um certo cinegrafista um tanto apavorado por estar indo para
Nova York e não saber nada de inglês, mas foi assim acalmado: “Metade da
população de NY fala ou entende espanhol, fale em portunhol”. De manhã,
veio o garçom, caneta em punho, e o nosso viajante perguntou: “Tien
eggs?”. “Yes, Sir”. Algum tempo depois, voltou com uma bandeja com DEZ
OVOS estrelados. Que breakfast! Ou, “café de la manhana´, como quiserem.
Patética
foi a situação de alguns reporteros brasileños, agoniados com a
lentidão do taxista. “Tenemos urgência”, apelou um deles. E nada do
motorista “atolar o pé”. Foi, então, que o segundo tentou ser mais
claro: “Señor, por favor, bajar el caciete”. Sem comentários. Um pouco
mais feliz foi um outro jornalista, na França. Prevenido, decorou:
“Aeroport, se vous plais, bien vite”. Ao que ouviu: “Pode falar em
brasileiro, eu sou português”.
Folclóricos são
também os desentendimentos de brasileiros em Portugal. Nem sempre as
mesmas palavras têm os mesmos significados, ou seja, falsos cognatos
ocorrem até na ‘nossa’ própria língua. Certas situações podem se tornar
mais que risíveis, afetam o decoro. Numa farmácia em Portugal, a
balconista me perguntou se ela poderia “deitar fora”. Levei alguns
segundos para entender que ela perguntava simplesmente se podia jogar no
lixo a embalagem que eu levara de modelo. Por vezes, uma mesma fórmula
vai ter lá outro nome comercial. Não vou entrar em detalhes sobre como
se traduz para português de Portugal a expressão “tomar uma injeção”.
Vai parecer piada. E de mau gosto.
Mas há línguas
estranhas e bem amigáveis, se é que podemos confiar muito nessa
informação. Ora, se “pagamos mico” em espanhol, língua coirmã, o que
dizer de idiomas sem parentescos? Contou-me uma amiga que em menos de um
ano de intercâmbio na Finlândia conseguia ler histórias infantis para
crianças aos seus cuidados. Até aí, tudo bem, é comum ser baby-sitter lá
fora. O prosaico, no entanto, é que por uma questão de grande afinidade
entre fonemas de lá e cá, as crianças entendiam o que estava sendo
narrado. A leitora, não.