sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Cuidado, poliglotas


Fonte: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/artigo.php?id=597
Desventuras do Portunhol
Luiz Martins da Silva

Brasileiros são conhecidos por muitos cacoetes, um deles, o de serem turistas barulhentos. Fácil saber onde estão, pelo vozerio; por uma certa necessidade de externar satisfações. Mas há algo em que os brasileiros também têm a pretensão de ser muito bons: línguas. Qualquer deles um pouquinho viajado já se sente ungido pela glossologia: inspiração divina pelo qual os evangelistas pregavam em outros falares.

Já vi brasileiros em “virações” linguísticas as mais extraordinárias: russo, japonês, árabe. Mas, nem sempre é presunção ou exibicionismo. Às vezes, sobrevivência. Para repórteres, alguns vocábulos são salvadores, exemplo, “sahafir”, jornalista, em árabe. Mas é na língua de Cervantes em que os brasileiros mais se acreditam à vontade. Mas cometem heresias, do tipo: “pasar la ropia”, em lugar de planchar. Chamar ventana de “ranela”. E cabide não é “cabilde”, e sim, percha. Vaso pode ser copo, mas não o vaso sanitário (el inodoro). Mas a melhor, contaram-me, aconteceu com um fotógrafo que na ficha de hospedagem revelou ter o apellido de “Baixinho”.

Outro bom folclore diz respeito a um certo cinegrafista um tanto apavorado por estar indo para Nova York e não saber nada de inglês, mas foi assim acalmado: “Metade da população de NY fala ou entende espanhol, fale em portunhol”. De manhã, veio o garçom, caneta em punho, e o nosso viajante perguntou: “Tien eggs?”. “Yes, Sir”. Algum tempo depois, voltou com uma bandeja com DEZ OVOS estrelados. Que breakfast! Ou, “café de la manhana´, como quiserem.

Patética foi a situação de alguns reporteros brasileños, agoniados com a lentidão do taxista. “Tenemos urgência”, apelou um deles. E nada do motorista “atolar o pé”. Foi, então, que o segundo tentou ser mais claro: “Señor, por favor, bajar el caciete”. Sem comentários. Um pouco mais feliz foi um outro jornalista, na França. Prevenido, decorou: “Aeroport, se vous plais, bien vite”. Ao que ouviu: “Pode falar em brasileiro, eu sou português”.

Folclóricos são também os desentendimentos de brasileiros em Portugal. Nem sempre as mesmas palavras têm os mesmos significados, ou seja, falsos cognatos ocorrem até na ‘nossa’ própria língua. Certas situações podem se tornar mais que risíveis, afetam o decoro. Numa farmácia em Portugal, a balconista me perguntou se ela poderia “deitar fora”. Levei alguns segundos para entender que ela perguntava simplesmente se podia jogar no lixo a embalagem que eu levara de modelo. Por vezes, uma mesma fórmula vai ter lá outro nome comercial. Não vou entrar em detalhes sobre como se traduz para português de Portugal a expressão “tomar uma injeção”. Vai parecer piada. E de mau gosto.

Mas há línguas estranhas e bem amigáveis, se é que podemos confiar muito nessa informação. Ora, se “pagamos mico” em espanhol, língua coirmã, o que dizer de idiomas sem parentescos? Contou-me uma amiga que em menos de um ano de intercâmbio na Finlândia conseguia ler histórias infantis para crianças aos seus cuidados. Até aí, tudo bem, é comum ser baby-sitter lá fora. O prosaico, no entanto, é que por uma questão de grande afinidade entre fonemas de lá e cá, as crianças entendiam o que estava sendo narrado. A leitora, não.

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