Convivendo com filmes recentes de julgamento como o Anatomia de uma queda, esse é desconcertante, incômodo e vai mais fundo na psiquê dos serial killers e do fascínio sinistro que eles exercem.
É um exercício de cinema bem interessante, tratando de frente o contexto da nossa sociedade contemporânea midiática e imagética onde tudo que vende pode vender mais um pouco, especialmente o sofrimento das vítimas de crimes.
Faz um contraponto com outros contemporâneos que também tratam da banalização do mal como o Zona de Interesse.
A sinopse é o julgamento de um serial killer de meninas adolescentes, os crimes são hediondos e bem pesados, envolvendo tortura e mutilação das vítimas que não chegam a ser mostradas explicitamente, mas nem precisa.
A narrativa segue Kelly-Anne, interpretada por Juliette Gariépy, uma jovem obcecada pelo julgamento do serial killer Ludovic Chevalier.
Ela chega a dormir na porta do tribunal para conseguir um lugar na sala do juri.
O roteiro tem definitivamente uma abordagem original e desafia as convenções do gênero thriller psicológico.
O personagem vai sendo construído e o espectador vai descobrindo que ela é uma figura complexa que transita entre dois mundos contrastantes.
Ela é uma modelo linda e bem sucedida, metódica, personificação da perfeição visual, mas, fora dos holofotes, tem atividades suspeitas na dark web, onde ganha dinheiro com atividades ilícitas e participa de uma comunidade secreta onde imagens e vídeos dos assassinatos são leiloados para um pequeno grupo que paga altíssimas somas por eles.
A forma como as famílias das vítimas vão sendo expostas no julgamento também é um aspecto do filme bastante incômodo.
Ela se envolve com uma outra jovem que também dorme na porta do tribunal para ver o julgamento, mas que representa o seu alter-ego, que ela resolve trazer para dentro do apartamento.
A modelo vê no assassino um reflexo distorcido de si mesma, admirando a sua capacidade de manipular a percepção alheia através de performances calculadas, algo que ela mesma faz com a jovem que traz para dentro de casa.
Um detalhe importante é que o personagem do assassino não tem falas. Nesse sentido reforça a comparação com o trabalho da modelo, que também performa somente com a imagem.
O roteiro vai tecendo uma teia complexa de realidade e fantasia, onde a busca de Kelly-Anne pela verdade se torna uma jornada fria, sombria e introspectiva.
Portanto é um filme que tem mais camadas do que cebola.
Vai mais fundo no tema do que vários do gênero, bem além do Psicopata Americano e me lembrou um pouco A casa que Jack construiu , até a série Dexter é mais levinha.
O diretor Pascal Plante não é muito conhecido e mandou bem demais.
A fotografia, sob a direção de Vincent Biron, é uma das características mais marcantes do filme, a utilização de luz, sombra e cor vai compondo a narrativa e vai dando os tons psicolõgicos dos personagens.
Nota 8, recomendo para quem dá conta de lidar com tantas camadas da cebola.
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