domingo, 30 de março de 2025

Tudo que imaginamos como luz (2024)


Indicado a palma de ouro e vencedor do Grande Prêmio em #Cannes2024 e indicado a filme estrangeiro no Globo de Ouro e #Bafta2024 mas esnobado no #Oscar2025.

Dirigido pela cineasta indiana Payal Kapadia, não conheço os filmes anteriores.

A história segue duas enfermeiras, Prabha e Anu, que enfrentam dilemas pessoais e culturais na sociedade indiana profundamente marcada por regras patriarcais.

Não gostei muito do roteiro e do ritmo, mas é bem bacana a forma como a cidade de Mumbai é mostrada como pano de fundo, assim como a vila litorânea de Ratnagiri. Mostra a essência da vida urbana de Mumbai, destacando cores, movimentos e a impermanência que conecta e repele as pessoas. A abordagem visual é marcada por cenários noturnos iluminados por luzes neon, que criam uma atmosfera melancólica e introspectiva - daí talvez o título. 

Também é legal como a fotografia destaca os rostos femininos, colocando as mulheres como protagonistas ativas diante de uma sociedade machista. Vale também pelo fato de que geralmente filmes que chamam mais atenção sobre enfermeiras envolvem um contexto de guerra, mas esse não, mostra pura e simplesmente a rotina do hospital.

Prabha é uma enfermeira casada mas cujo marido está ausente, que utiliza o trabalho como escape de sua realidade dolorosa. Anu é uma jovem que sonha com um lugar tranquilo para encontrar seu namorado, mas enfrenta a pressão dos pais para um casamento arranjado. A narrativa é simples e vai abordando os arcos de outros personagens com histórias paralelas que exploram temas como amor, amizade e dignidade humana.

Resumindo, uma abordagem muito realista das incongruências do amor, sem glamour nem romance, e que consegue mostrar com fidelidade o contexto sócio-cultural da Índia com um olhar interno, de uma maneira diametralmente oposta aos estereótipos de Bollywood.

Dou nota 6, recomendo.

Disponível Telecine e Prime Video.

Tudo que Imaginamos como Luz (2024) - IMDb

Armand [e o limite das famílias] (2024)

Camera d'or em #Cannes2024, representante da Noruega no #Oscar2025, mas não passou no shortlist.

Eu fico pensando quem é que coloca esses subtítulos espúrios nos títulos em português...

Bom filme, drama psicológico, mas leeeeeento...

A história começa com um incidente em uma escola primária, onde Armand, um menino de apenas seis anos, é acusado de um ato sexual grave contra um colega. Vai remexendo a vida da mãe de Armand, Elizabeth, interpretada por Renate Reinsve (é a mesma de A pior pessoa do mundo e na temporada apareceu também no bom Um homem diferente).

A narrativa explora,  com todo aquele costumeiro calor norueguês, os preconceitos que moldam o cotidiano da escola - aqui fundamental, mas que acontecem em qualquer nível, até mesmo na universidade. 

Aqui no blog tem vários "escolares" comentados: O professor substitutoBad Luck Banging or Loony Porn, A sala dos professores, Club Zero, Os rejeitados...

Especialmente no Brasil, onde ser professor é quase mal visto, aborda questões complexas, como responsabilidade parental, os perigos de julgamentos rápidos e as pressões sociais enfrentadas por famílias.  Combina elementos de drama familiar com uma estética intimista, criando um retrato inquietante das relações humanas e dos julgamentos precipitados que fazemos o tempo todo.

O roteiro transita pelas muitas ambiguidades e incongruências dos pais e consegue transportar a tensão sexual envolvendo os filhos para eles. Em outros momentos, parte para o teatro do absurdo, a dança da mãe com o zelador e os outros pais me fez lembrar das categorias bacanas do MTV Movie Awards, se houvesse a categoria de melhor dança no Oscar, certamente entraria.

O diretor Halfdan Ullmann Tøndel é neto de Liv Ullmann e Ingmar Bergman, e vem trazendo um olhar meticuloso para detalhes emocionais e narrativos. Com o apoio dos financiamentos europeus, dá um caldo.

Um detalhe interessante do roteiro é que apesar do personagem dar nome ao filme e ser o eixo de toda a trama, ele só aparece na cena final.

Mais até que o próprio roteiro, a fotografia é um ponto alto do filme, e consegue mostrar a escola de um jeito claustrofóbico, meio desfocado, criando uma atmosfera de tensão constante, que vai da calma desconcertante até explosões emocionais, espelhando as reviravoltas da narrativa. 

Enfim, uma jornada emocional que obriga os espectadores a confrontar suas próprias crenças e valores, drama norueguês seco e frio, até por isso que na história o ar condicionado da escola está quebrado e o clímax acontece na chuva.

Nota 6, pela lentidão mas recomendo altamente para os pais de alunos que traem seus conjugues mas ficam indignados se o filho fizer troca troca com o coleguinha no colégio.

Armand e os Limites das Famílias (2024) - IMDb

Disponível Prime video (com VPN).

domingo, 9 de março de 2025

Doutor Castor (2021) + Vale o escrito (2023)

 

Com os tamborins ainda quentes, vale conferir essas duas boas produções recentes do Globoplay, que oferecem uma revisão de algumas conexões controversas da cultura brasileira: carnaval, futebol, jogo do bicho, tráfico e milícias, revelando como elas se consolidaram.

Doutor Castor (nota 8,3 no imdb) narra a vida de Castor de Andrade, um dos bicheiros mais influentes do Rio de Janeiro. Dividida em quatro episódios, a produção aborda a trajetória de Castor como patrono da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel e dirigente do Bangu Atlético Clube. A série revela como ele usou o carnaval e o futebol para legitimar sua imagem, enquanto construía um império de contravenções e crimes.

Para quem gosta de futebol é muito interessante a forma como aborda a história do Bangu, especialmente nos anos 1980, quando o clube viveu seu auge. A produção explora as histórias de jogadores que marcaram época no time, mostrando como o futebol foi usado como uma extensão do poder e da influência de Castor.  

Entre as pessoas que aparecem na série estão jornalistas como Tino Marcos a jurista, juíza e ex deputada Denise Frossard, ex-jogadores do Bangu como Cláudio Adão e Gilmar, além de figuras da música e do samba como Agnaldo Timóteo e Paulinho Mocidade.

Vale o Escrito (nota 8,7 no imdb!) investiga as dinâmicas de poder e violência entre as famílias que controlam o jogo do bicho no Rio de Janeiro. Com sete episódios, a produção explora guerras de sucessão, traições e assassinatos, enquanto destaca a relação dessas famílias com o carnaval carioca. A série também traça paralelos com estruturas mafiosas, à brasileira. Por meio de entrevistas exclusivas, a produção explora o funcionamento interno dessa atividade, suas lideranças familiares, rivalidades e crimes, além de destacar o papel dos chefes do jogo como financiadores do Carnaval e benfeitores sociais. Supervisada por Pedro Bial, a série resgata a origem do jogo e oferece uma análise única sobre a influência dessa prática no estado.

Ambas as séries estão profundamente enraizadas na história do Rio de Janeiro, onde o jogo do bicho surgiu como uma loteria informal no final do século XIX. Com o tempo, essa prática ilegal se entrelaçou com o carnaval e o futebol.  

Por trás do glamour, riqueza e pretensa inclusão das escolas de samba há uma estrutura que vai muito além da maior festa popular do Brasil. 

Castor de Andrade transformou a Mocidade Independente de Padre Miguel em uma das escolas de samba mais icônicas do Rio. Ele investiu pesadamente no carnaval, usando-o como uma vitrine de sua influência. Paralelamente, sua gestão do Bangu Atlético Clube ilustra como o futebol foi instrumentalizado para consolidar sua posição social.

O carnaval é o campo de batalha simbólico para as famílias do jogo do bicho, que na complexidade da guerra do cotidiano, envolve o tráfico e as milícias. A série mostra como essas famílias utilizam o carnaval não apenas como expressão cultural, mas também como uma extensão de suas disputas de poder, para as quais não existe estado nem lei, a não ser como objetos da corrupção.

Não é coincidência que o Brasil tenha sido jogado em um abismo do qual estamos tentando sair, por uma família de políticos corruptos... do Rio de Janeiro, cuja pior tragédia que nos impôs foi naturalizar a necropolítica.

Nota 10 para ambas, recomendo para quem já curou a ressaca e quer entender um pouco sobre as complexidades do Brasil, onde o carnaval e o futebol coexistem com histórias de crime e poder.

O trailler de Doutor Castor já começa com ele sendo entrevistado pelo Jô:

T:E - Veja o trailer de Doutor Castor - Doutor Castor online no Globoplay


Trailler Vale o Escrito:

Assistir Vale o Escrito - A Guerra do Jogo do Bicho - online | Globoplay

Ainda não assisti o documentário que foi feito entre os dois: Lei da Selva:

Assistir Lei da Selva - A história do jogo do bicho - online | Globoplay



Desdobramentos em curso, nessa história a realidade mostra que é mais estranha que a ficção.

(aguarde o print friendly gerar a página)

domingo, 2 de março de 2025

Incidente (2023)

 

Acontece hoje acontecia no sertão quando um bando de macaco perseguia Lampião.

Curta documentário indicado ao #Oscar2025.

Mostra o assassinato de Harith Augustus, um babeiro negro morto em 2018 por um policial em Chicago. Através de uma combinação de filmagens de câmeras de segurança e câmeras corporais dos policiais, o filme captura os últimos momentos da vida de Augustus e a reação imediata dos policiais e das testemunhas presentes. Também estabelece conexões com casos anteriores de violência policial em Chicago.

Uma das características mais marcantes do curta é a forma como ele expõe a criação de narrativas pelos policiais após o ocorrido. Morrison destaca como, com o acesso público às filmagens, os policiais passaram a "performar" e criar narrativas para justificar suas ações. Essa mudança no comportamento policial, motivada pela conscientização de que suas ações estão sendo gravadas e revisadas, é central para o filme.

Ou seja, violência policial é um tema universal e têm-se discutido muito por aqui sobre as câmeras corporais, que são indispensáveis. Imagens fortes, mas que precisam ser vistas e discutidas, lá e aqui. 

Nota 9, recomendo.

Disponivel no site do New York Times:

“Incident” Shows How Officers React When a Police Killing Is Caught on Tape | The New Yorker

Instruments of a Beating Heart (2023)


Curta indicado ao #Oscar2025.

Muito bom, pega pela emoção, é daquele tipo oooooh...

Aqui no blog tem algumas coisas do cinema japonês, coloque o gentílico na caixa de busca.

O curta mostra uma escola pública em Tóquio, onde alunos do primeiro ano enfrentam um desafio único: formar uma orquestra e apresentar a nona de Beethoven em uma cerimônia escolar.

Só esse resumo já dá o contexto e abrangência do filme - frisando - alunos do primeiro ano do fundamental tocando a nona de Beethoven.

A trama gira em torno de Ayame, uma menina que luta para acompanhar o ritmo do grupo. Através de sua jornada emocional, o filme deixa pistas bem interessantes sobre  o sistema educacional japonês.

Cativante e imersivo, consegue capturar e passar para o espectador as emoções das crianças e a atmosfera da escola. Aborda temas profundos e universais, como a resiliência, a importância do trabalho em equipe e a busca pela superação pessoal. O curta destaca principalmente o rigor na construção do caráter, na educação japonesa, com um viés positivo na disciplina, que marca a cultura japonesa.

Dentro desse contexto com certeza o mais lindo que comentei aqui no blog recentemente é o Dias Perfeitos.

Disponível no youtube:





Ik ben geen robot / Eu não sou um robô (2023)


Indicado a melhor curta no #Oscar2025 tendo sido premiado em diversos festivais. 

Indicação merecida, interessante e contemporâneo. 

Ao realizar um teste captcha - um daqueles testes online para provar que não é um robô - uma mulher começa a desconfiar que ela pode ser um robô. à medida que a trama avança, ela começa a questionar sua própria origem e existência.

Além disso, o curta-metragem levanta as questões filosóficas sobre autocnhecimento, propósito e o que significa ser humano. Nesse sentido casa bem com Um homem diferente, indicado a maquiagem.

Disponível no youtube:


Nota 7, não gostei muito do final, mas recomendo!

Ik ben geen robot (Curta 2023) - IMDb