Com os tamborins ainda quentes, vale conferir essas duas boas produções recentes do Globoplay, que oferecem uma revisão de algumas conexões controversas da cultura brasileira: carnaval, futebol, jogo do bicho, tráfico e milícias, revelando como elas se consolidaram.
Doutor Castor (nota 8,3 no imdb) narra a vida de Castor de Andrade, um dos bicheiros mais influentes do Rio de Janeiro. Dividida em quatro episódios, a produção aborda a trajetória de Castor como patrono da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel e dirigente do Bangu Atlético Clube. A série revela como ele usou o carnaval e o futebol para legitimar sua imagem, enquanto construía um império de contravenções e crimes.
Para quem gosta de futebol é muito interessante a forma como aborda a história do Bangu, especialmente nos anos 1980, quando o clube viveu seu auge. A produção explora as histórias de jogadores que marcaram época no time, mostrando como o futebol foi usado como uma extensão do poder e da influência de Castor.
Entre as pessoas que aparecem na série estão jornalistas como Tino Marcos a jurista, juíza e ex deputada Denise Frossard, ex-jogadores do Bangu como Cláudio Adão e Gilmar, além de figuras da música e do samba como Agnaldo Timóteo e Paulinho Mocidade.
Vale o Escrito (nota 8,7 no imdb!) investiga as dinâmicas de poder e violência entre as famílias que controlam o jogo do bicho no Rio de Janeiro. Com sete episódios, a produção explora guerras de sucessão, traições e assassinatos, enquanto destaca a relação dessas famílias com o carnaval carioca. A série também traça paralelos com estruturas mafiosas, à brasileira. Por meio de entrevistas exclusivas, a produção explora o funcionamento interno dessa atividade, suas lideranças familiares, rivalidades e crimes, além de destacar o papel dos chefes do jogo como financiadores do Carnaval e benfeitores sociais. Supervisada por Pedro Bial, a série resgata a origem do jogo e oferece uma análise única sobre a influência dessa prática no estado.
Ambas as séries estão profundamente enraizadas na história do Rio de Janeiro, onde o jogo do bicho surgiu como uma loteria informal no final do século XIX. Com o tempo, essa prática ilegal se entrelaçou com o carnaval e o futebol.
Por trás do glamour, riqueza e pretensa inclusão das escolas de samba há uma estrutura que vai muito além da maior festa popular do Brasil.
Castor de Andrade transformou a Mocidade Independente de Padre Miguel em uma das escolas de samba mais icônicas do Rio. Ele investiu pesadamente no carnaval, usando-o como uma vitrine de sua influência. Paralelamente, sua gestão do Bangu Atlético Clube ilustra como o futebol foi instrumentalizado para consolidar sua posição social.
O carnaval é o campo de batalha simbólico para as famílias do jogo do bicho, que na complexidade da guerra do cotidiano, envolve o tráfico e as milícias. A série mostra como essas famílias utilizam o carnaval não apenas como expressão cultural, mas também como uma extensão de suas disputas de poder, para as quais não existe estado nem lei, a não ser como objetos da corrupção.
Não é coincidência que o Brasil tenha sido jogado em um abismo do qual estamos tentando sair, por uma família de políticos corruptos... do Rio de Janeiro, cuja pior tragédia que nos impôs foi naturalizar a necropolítica.
Nota 10 para ambas, recomendo para quem já curou a ressaca e quer entender um pouco sobre as complexidades do Brasil, onde o carnaval e o futebol coexistem com histórias de crime e poder.
O trailler de Doutor Castor já começa com ele sendo entrevistado pelo Jô:
T:E - Veja o trailer de Doutor Castor - Doutor Castor online no Globoplay
Assistir Vale o Escrito - A Guerra do Jogo do Bicho - online | Globoplay
Ainda não assisti o documentário que foi feito entre os dois: Lei da Selva:
Assistir Lei da Selva - A história do jogo do bicho - online | Globoplay
Desdobramentos em curso, nessa história a realidade mostra que é mais estranha que a ficção.